Violência sexual infantojuvenil ainda é desafio para médicos
Atendimento na Fiocruz
Contar com uma equipe multidisciplinar capacitada para o atendimento de vítimas de violência sexual ainda é um privilégio, segundo a Dra. Ana Cristina Paixão, médica responsável pelo atendimento ginecológico da unidade materno-infantil do Instituto Fernandes Figueira (IFF), da Fiocruz, na cidade do Rio de Janeiro. Desde 1994, atendeu 71 casos de abuso sexual infantojuvenil com o apoio de uma equipe multidisciplinar, formada por profissionais de pediatria, psicologia, psiquiatria, enfermagem e serviço social.
A médica frisa que ainda falta muita informação entre os profissionais de saúde para lidar com estes casos. Em sua tese de mestrado, Ana Cristina estudou as dificuldades encontradas no relacionamento entre médico e paciente, ao se tratar de casos de abuso sexual, ouvindo profissionais da área. Ela comparou o atendimento entre um centro de referência multidisciplinar e uma unidade básica que, por falta de treinamento e equipe especializada, ainda apresenta muitas limitações.
Quais são as principais dificuldades encontradas pelos agentes de saúde quando se deparam com uma suspeita de violência sexual contra crianças e adolescentes?
Muitos recebem um impacto violento, ficam chocados porque o crime vai contra os princípios morais deles e não sabem como reagir. A divulgação de serviços especializados de atendimento ainda é precária e a maioria dos profissionais não tem informação para onde devem encaminhar a criança. Ficam com medo de encaminhar a vítima para o local errado e da mesma não ser atendida adequadamente. Alguns se calam a primeira vez, mas começam a se sentir incomodados e acabam tomando a iniciativa de pedir ajuda para colegas.
De que forma os profissionais devem atender às crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual?
Não podem emitir julgamento, nem tomar partido, mesmo ouvindo histórias terríveis. Devem ser bastante perceptivos a pequenos movimentos, frases e atitudes da criança/adolescente para estabelecer o diagnóstico. Os casos em que não há estupro são muito comuns e também precisam ser comunicados. É preciso saber como lidar com a criança transmitindo segurança e falando de acordo com a idade para conseguir sua confiança. A entrevista deve ser feita separada do pai e da mãe, pois, se o abuso ocorreu dentro de casa, a criança pode ter sido ameaçada ou manipulada para que não conte nada.
Para onde os médicos devem encaminhar estes casos?
Alguns encaminham erroneamente para o Instituto Médico Legal (IML), que anteriormente era a primeira referência para se fazer uma perícia. Mas é um lugar muito agressivo para uma criança, que acaba sendo “revitimizada”, por passar novamente por situações muito difíceis, como tirar a roupa para ser examinada. Hoje, segundo a Justiça, o profissional de saúde deve realizar o atendimento, fazer um relatório do caso e depois comunicar ao Conselho Tutelar.
Como é o atendimento hoje na recuperação das vítimas e também dos agressores no Rio de Janeiro?
O Rio de Janeiro tem o marco histórico de ser o Estado pioneiro em realizar fichas de notificação, criadas em 1996 e depois adotadas como modelo pelo Ministério da Saúde em todo o país. No entanto, em relação à recuperação das vítimas e agressores ainda está paupérrimo.
E não adianta tratar apenas da vítima, porque um caso de abuso sexual repercute como uma bomba, mexe com toda a estrutura familiar, causando um desequilíbrio enorme. Acho muito importante que os familiares também sejam atendidos.
Com relação aos agressores, hoje existem, no máximo, uns dois ou três serviços deste tipo no Rio, que são muito importantes para que o ato não volte a se repetir. Ainda é muito difícil implementar políticas no combate à violência.