S. M. Rainha Silva da Suécia fala sobre o trabalho da Chidlhood ao Estadão
A matéria traça um rápido perfil da S. M. Rainha Silva da Suécia – filha de uma brasileira e um alemão – que viveu em nosso país até os 13 anos e também apresenta dados que confirmam a necessidade de investimento na prevenção do abuso infantil.
Leia abaixo os melhores trechos da entrevista:
Como a senhora teve a ideia de criar a Childhood?
Foi em 1993, um momento difícil, em que tivemos um caso de pornografia infantil na Suécia. Na época, o caso chocou o país. Entretanto, o assunto era tabu. Ninguém tinha coragem de abordá-lo. Então, quando fui à Unesco, eles me pediram para falar sobre a situação da criança na Suécia, que é bastante boa, mas tem seus problemas. Pensei que, como rainha, poderia chamar a atenção para essas questões.
A senhora sempre teve essa preocupação?
Depois desse caso, senti que deveria falar sobre isso. Naquele tempo tampouco se falava de abuso sexual e pornografia infantil no Brasil.
Qual a essência do trabalho da Childhood?
Chamar a atenção para esse problema. No Brasil e em outros países. Porque os abusos existem em todo lugar e em todas as camadas sociais. Também procuramos ajudar projetos que já existem e necessitam de recursos. Não é fácil, para muitas organizações, conseguir trabalhar nesse setor.
Como a ONG escolhe parcerias e projetos para apoiar?
Atuamos na Suécia, Alemanha, EUA e Brasil. Aqui temos a Childhood Brasil, responsável por escolher os projetos. Recebo as propostas e trabalhamos em cooperação. Este ano, estamos apoiando dez projetos no Brasil e desenvolvendo projetos próprios, de forma contínua. Sempre em parceria com setores empresariais, a Justiça, os setores de turismo e construção civil. Nosso mais novo e importante projeto é a sala de depoimento.
O que é a sala de depoimento?
A situação de uma criança que sofreu abuso é muito difícil. E, às vezes, ela tem de contar essa história muitas vezes, o que é um processo doloroso. Tem de falar para os pais, médicos, policiais, juízes, assistentes sociais… Quando o abuso acontece com um familiar, a dor é ainda maior. Esse trauma é horrível. Essa sala de depoimento é um ambiente feito para a criança. Ela reconhece como dela: tem brinquedos e uma única pessoa – psicóloga – faz as perguntas. Do outro lado da sala – atrás de um vidro, a criança não vê – estão os profissionais que precisam das respostas para dar prosseguimento ao processo.
Tem funcionado?
Muito. Começamos na Suécia. A primeira sala de depoimento no Brasil foi instalada no Rio Grande do Sul. Depois, inaugurei uma no TJ de Recife. O governador, Eduardo Campos, foi muito aberto à ideia. Até o fim do ano serão 100 salas no Brasil. Em São Paulo já são 29.
Abuso de menores é questão interdisciplinar. Envolve assistência social, Justiça, polícia. No Brasil, muitos desses sistemas são frágeis.
Como é o espaço para uma ONG atuar?
É necessário falar sobre o assunto na escola, para trabalhar a prevenção e ajudar a criança em caso de denúncia. É essencial que a criança tenha coragem de denunciar. Porque, em muitos casos, ela é sozinha. A mãe, às vezes, também tem medo de falar, tem medo de que a segurança da família se quebre. Por isso a necessidade de apoio social. Nosso dever é estar junto e ajudar não só as vítimas, mas as pessoas que podem atuar como agentes sociais nesses casos.
Que porcentagem tem coragem de denunciar?
Sabemos que esse número é a ponta do iceberg – há muito mais casos. Mas as denúncias vêm crescendo desde que começamos a trabalhar, o que me deixa feliz. Este ano houve aumento de 35%, comparando com o mesmo período de 2012. Foram 46 mil registros.
A Childhood também tem um projeto que capacita caminhoneiros para serem embaixadores da causa e denunciar.
Como surgiu esse projeto?
A ONG viu o problema e firmou parcerias com as companhias de transporte. Fizeram workshops com caminhoneiros, para que eles se informassem sobre os direitos das crianças. Muitos não pensam que uma menina de 14 anos é uma criança. Por isso temos de falar a respeito. Eles se tornaram embaixadores e denunciam, se preciso.
No Brasil, as adolescentes estão expostas à sexualidade muito cedo. Como fazer um trabalho de prevenção?
A mídia tem seu papel. A criança vê filmes, lê sobre a vida de atores, artistas e, naturalmente, acha que é algo de que deve participar. A mídia deveria estar mais alerta e não fazer tanta propaganda que induza a criança nesse sentido. Porque ela tem o direito de ser criança.
Foi difícil para a senhora captar recursos por aqui?
Não. Todos sabem da gravidade e importância do problema. Aqui temos um grupo de empresários muito ativos, sempre presentes.
O que acha do governo Dilma nessa área?
Hoje foi um dia muito importante, porque o ministro Gilberto Carvalho mostrou preocupação com o problema e disposição para se unir a empresários. O governo faz muitas coisas, mas o Brasil é enorme. Fazer parcerias com as grandes companhias seria um bom caminho.
Como é sua rotina?
Levanto cedo, 4 ou 5 da manhã. Tenho um trabalho de escritório– das 9 às 5, no castelo. Além disso, recebo visitas, chefes de Estado. Pelo menos cinco noites por semana estamos engajados em eventos. Jubileus, congressos… é intenso (risos), mas gosto muito do que faço.
Qual o papel da monarquia na Suécia?
Apolítico. Meu marido representa o país e eu, como esposa, também. Meu primeiro dever e desejo é apoiá-lo. Depois vêm meus próprios interesses – como esses projetos.
A Suécia é um exemplo de país de paridade de gênero. O que acha de termos uma presidente mulher?
Contanto que seja boa e inteligente, é ótimo. Principalmente quando o assunto são mulheres e crianças.
O que a senhora ainda considera brasileiro?
O coração (risos). Passei minha infância aqui, fiz o colégio aqui, tenho muitos primos, mantenho meus laços. Já matei a saudade de jabuticaba e manga (risos).
Como mantém o português?
Com carinho.