Ressignificar a violência, um passo para o tratamento

Sala de atendimento a autores de violência sexual em Goiânia

“Pedro [nome fictício] era o famoso pedófilo: apaixonado pelos adolescentes que abusava, tinha o nome de alguns deles tatuados em seu braço. Deve ter abusado de mais de cem adolescentes, embora constassem apenas dois no processo judicial. No início dos atendimentos, ele dizia que os meninos gostavam do abuso. Argumentava que não eram nada bobos e que alguns, inclusive, já tinham feito sexo com o tio ou até com o pai. Ele não conseguia compreender que essas relações incestuosas já eram abusivas, que os meninos já tinham sido abusados antes.”

Essa história é contada pela psicóloga Karen Michel Esber, pesquisadora e consultora em atenção à violência, de Goiânia (GO). De modo pioneiro no país, Karen e outros profissionais desenvolveram o Programa de Atendimento ao Autor de Violência Sexual, como parte do projeto Invertendo a Rota, realizado pela Universidade Católica de Goiás entre 2004 e 2007. Segundo ela, o acompanhamento terapêutico pode diminuir os casos de reincidência entre os agressores que já cumpriram sua punição legal. “Esses sujeitos precisam de atendimento. Não adianta só punir, só encarcerar, mantê-los atrás das grades”, diz ela.

O atendimento ao abusador trabalha a ressignificação da violência: faz com que o indivíduo compreenda suas próprias motivações, reconheça a gravidade de seus atos e saiba lidar com seus impulsos. “Elaboramos uma série de questionamentos ao Pedro durante o processo: será que esses meninos gostavam de ser abusados? Como você se sentiria se estivesse no lugar deles? Não é estranho que um menino tenha feito sexo com o tio? Aceitávamos, a princípio, a versão de Pedro, mas aos poucos o levávamos a refletir de uma forma totalmente diferente sobre o fato. Isso é que chamo de ressignificação: introduzir um elemento de reflexão novo para o abusador, questões sobre as quais ele não havia pensado”, conta Karen. “Mais para o final dos atendimentos, pouco antes de ser assassinado no próprio presídio, Pedro já começava a perceber que os adolescentes não gostavam de suas abordagens sexuais. Um dia, ele comentou que um menino de 9 anos fechava os olhos quando era penetrado. Perguntamos: ele não fecharia os olhos de dor? A reação de Pedro foi de espanto. Nunca pensei nisso, ele disse.”

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