Políticos e magistrados envolvidos com a exploração sexual infantojuvenil continuam impunes

A economista e coordenadora dos projetos dos direitos da criança e do adolescente da Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude (ABMP), Maria América Ungaretti, alerta que, apesar do governo ter declarado o enfrentamento à exploração sexual de crianças e adolescentes como uma de suas prioridades, há quase dez anos, pessoas influentes como políticos, delegados e juízes permanecem envolvidos na rede de comercialização sexual infantojuvenil sem nenhuma condenação.

Responsável pelo livro Cadernos de Fluxos Operacionais Sistêmicos – Proteção integral e atuação em rede na garantia dos direitos da criança e do adolescente, da ABMP, voltado para profissionais de Justiça, ela defende maior articulação entre os envolvidos no sistema de garantia de direitos para melhor eficiência na resolução dos casos:

A publicação Cadernos de Fluxos Operacionais Sistêmicos – Proteção integral e atuação em rede na garantia dos direitos da criança e do adolescente, da ABMP dedica alguns capítulos ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes. Ainda há muita dificuldade por parte da Justiça para lidar com estes casos e por que ainda a maioria dos autores de abuso não são punidos?

Em nosso país ainda vigora a impunidade. Há muita dificuldade para discutir a exploração sexual de crianças e adolescentes. O tema da violência sexual começou a fazer parte da agenda política a partir da década de 80, e tem se destacado desde que a Presidência da República, em 2002, declarou que a exploração comercial infantil seria umas das prioridades do governo.

No entanto, apesar de todos os avanços nas legislações vigentes (nacional e internacional), da realização de três congressos mundiais, do Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual infantojuvenil (em fase de revisão), dos inúmeros programas, projetos, pesquisas, ações, manuais orientadores e das manifestações realizadas pelo Dia Nacional de Enfrentamento (18 de Maio), declarado oficialmente pelo governo para ser objeto de ações em todo território nacional e da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPMI) que indicou o envolvimento de políticos, magistrados, policiais e outros cidadãos na exploração sexual, até a presente data não se tem conhecimento de resultados na responsabilização individual ou institucional.

Além disso, os três eixos do sistema de garantia dos direitos (promoção, defesa e controle) não têm atuado de forma articulada garantindo a eficiência e eficácia na resolução das situações vivenciadas por crianças e adolescentes.

Você acredita que a recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que o depoimento de crianças vítimas de abuso sexual seja colhido em salas especiais com gravação de câmeras deve ajudar a combater a impunidade e de que forma?
É uma estratégia complementar, mas não garante o fim da impunidade. A violação dos direitos da criança e do adolescente em situação de abuso sexual é extremamente complexa, pois envolve aspectos culturais arraigados na sociedade brasileira que se caracteriza pelo machismo e adultocentrismo (prática social que estabelece o poder aos adultos). Perpassa todas as classes sociais, que enfrentam essa violação de distintas maneiras.

Todo o cidadão ou profissional que deixar de prestar assistência à criança ou ao adolescente em situação de exploração sexual responderá pelo crime de omissão, mas por que a maioria das pessoas ainda não denuncia ou acha normal?
É preciso o desenvolvimento de ações significativas em termos de mudanças de comportamento, atitude e prática, para que todos cumpram com seus direitos e deveres de cidadania. A sociedade brasileira ainda encontra-se em um estágio muito limitado do exercício da cidadania e da construção da democracia.

Como deve ser realizado o atendimento a quem sofre abuso?
A criança e o adolescente devem ser tratados com respeito e dignidade pelas equipes multiprofissionais, devidamente capacitadas, em especial sobre essa violação. O fluxo operacional sistêmico da criança e do adolescente em situação de abuso sexual praticado por adulto indica o papel e as atribuições de todos os atores/sujeitos do sistema que devem promover, defender e garantir todos os direitos.

Como a Childhood participou da elaboração dos Cadernos de fluxos?
A Childhood Brasil foi a única entidade parceira da ABMP que contribuiu para que todas as etapas do projeto fossem realizadas – elaboração, revisão e aprovação dos fluxos operacionais, diagramação e edição do livro de referências.

Na atual etapa, será implementado o projeto de aprimoramento do sistema de garantia dos direitos da criança e do adolescente em situação de violência sexual que consta dos fluxos operacionais sistêmicos sobre a violência sexual (abuso e exploração sexual) em colaboração com a rede de combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes no Estado de Pernambuco.

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