“Pensei em suicídio e em matar o abusador”
“Tive uma espécie de apagão de memória para conseguir sobreviver na infância apesar dos abusos que sofri, mais ou menos dos quatro aos 11 anos de idade. Sabia que de alguma forma o que meu padrasto fazia comigo era errado, porque era tudo escondido, mas quando a gente é criança não entende”, afirma Samara Christina (nome fictício), 34 anos.
Samara conta que não tinha muita consciência e procurava apenas reprimir o que tinha lhe acontecido, até ver quando adulta uma ampla campanha francesa contra o abuso sexual infantil. “Quando se está no olho do furacão, a gente não consegue pensar em nada, só arranjar forças para continuar a sobreviver”, diz.Ela relata ter tido muitos pesadelos e ter criado um mundo imaginário na infância. “Toda vez que eu acordava, parecia que estava sendo sufocada e tinha de ir até a janela. Eu sonhava muitas vezes que sofria uma queda sem fim”, afirma. “Criei um mecanismo para fugir de pensar nos abusos, imaginando um mundinho que tinha um céu cor de rosa cheio de bombons e lacinhos, e eu fugia para lá para conseguir dormir. Eu também brincava muito de me esconder dentro de um armário, porque lá eu me sentia protegida”.
Samara diz que o padrasto só parou os ataques quando ela entrou na puberdade e começou a ter mais força para enfrentá-lo, mas não tinha coragem de falar para a mãe. “Eu tentava fazer de conta que não tinha existido, porque os sentimentos da vítima são confusos e a gente chega a se sentir culpada”.
Como não sabia como contar para a família, passava mal, tinha náuseas, vomitava toda vez que estava na casa do pai biológico e tentava falar para ele. “Quando ele soube, reagiu de forma violenta, ficou com muita raiva do meu padrasto e questionou a mãe também.” “É muito complicado, porque você sabe que está colocando em risco as pessoas envolvidas e eu não queria que ninguém sofresse, porque já bastava eu mesma”.
“O abuso é realmente como uma morte para a criança, porque o agressor está tirando toda sua infância”, afirma Samara. “O abuso sexual destrói toda a família. Quando a gente conta para a família é como se ocorresse uma morte. Minha mãe ficou transtornada, como se tudo que vivemos de bom desmoronasse. É muito difícil se recompor, até hoje a gente sofre muito, porque a base, o alicerce cai completamente. Minha mãe não consegue mais se relacionar com um homem até hoje, mesmo depois de anos separada”.
Samara frisa que só conseguiu reconhecer o que tinha lhe acontecido aos 20 anos, porque buscou ajuda médica antes de conseguir contar tudo para a mãe. “Eu sentia desespero, cheguei até a pensar em suicídio e também em mandar matá-lo. Eu achava que tinha que me vingar e vingar minha família. Graças a Deus eu fui criada com valores e princípios morais que me impediram de fazer isso em um momento de crise”, relata.
“Meu agressor até hoje nega tudo e ainda diz que eu sou maluca. Hoje eu sei onde ele mora e só rezo para que ele receba de alguma forma ajuda e seja tratado para não fazer outras vítimas”, diz. “Eu não acho que só colocar o agressor na cadeia vai resolver, porque quando sair pode fazer outras vítimas. Ele precisa ter também um tratamento específico para este tipo de doença e precisa ser isolado, não pode ter mais contato com crianças”.