Ópera p r i s m discute efeitos da violência sexual na vida de mulheres

Obra de Ellen Reid e a Roxie Perkins está em cartaz no Theatro Municipal até o dia 14 de setembro

A cultura em geral, especialmente a arte, tem um grande poder de discutir e trazer à tona temas importantes e tirá-los da invisibilidade. Uma ópera, ganhadora dos prêmios Pulitzer e Music Critics Association of North America, que acaba de estrear no Theatro Municipal de São Paulo e está, pela primeira vez, sendo apresentada fora dos Estados Unidos, está exercendo esse papel na conscientização sobre violência sexual: é a ópera p r i s m, criada por Ellen Reid e Roxie Perkins. A obra retrata os impactos do abuso sexual de crianças e adolescentes nas vítimas e seus familiares e traz a reflexão sobre a importância de se falar sobre o tema na sociedade. Confira a entrevista que realizamos com Roxie Perkins:

Childhood Brasil –A ópera p r i s m fala sobre o estresse pós-traumático que acompanha o abuso sexual. Sabemos que esse tema é ainda um tabu na sociedade. O que o levou a escrever e produzir uma ópera que fala sobre o problema? Que mensagem vocês pretendiam transmitir?

Roxie Perkins – Era muito importante para mim escrever uma ópera que destacasse as diferentes formas pelas quais o Transtorno de Estresse Pós-Traumático podem afetar a vida de alguém, a fim de aumentar a conscientização sobre os problemas complexos que podem surgir a partir dele. Também sentimos que era importante tentar reformular a conversa sobre trauma para, em vez de focar apenas na violência, mostrar as diferentes maneiras pelas quais as pessoas tentam seguir em frente com suas vidas, e os traumas secundários ocasionais que podem ser causados ​​por estes mecanismos falhos de enfrentamento. A única maneira de tornar essas questões menos tabu é falando sobre elas e sobre sua imensidão de consequências com uma lente empática, o que foi o principal objetivo de p r i s m. Esperamos que o público deixe o show com um maior senso de empatia em relação às pessoas que passam por experiências com as quais o próprio público não se relaciona, ou com um maior senso de empatia em relação a si mesmas pelo que sobreviveram.

Childhood Brasil – Assistimos p r i s m e sentimos que aborda de uma forma muito sensível e cuidadosa o abuso sexual de crianças e adolescentes, não focando na violência em si, mas nas consequências e impactos psicológicos para a filha e sua mãe nas suas vidas e nos ambientes em que estão inseridas. Vocês poderiam nos contar mais sobre a história da ópera e sobre o processo de construção da sua narrativa?

Roxie Perkins – Obrigada, isso é exatamente o que esperamos que as pessoas levem da experiência. Eu e Ellen (Reid) sabíamos que queríamos criar uma peça focada nos efeitos emocionais e psicológicos que a agressão sexual pode ter sobre uma pessoa e sobre aqueles que são próximos a ela, sem explicitar o momento da violência ou dar a esse ato todo o peso narrativo. Estávamos especialmente interessadas ​​em contar uma história como essa em formato de uma ópera por causa da longa história narrativa da ópera de apresentar a agressão sexual da perspectiva do agressor ou apenas como um ponto fugaz da trama. Depois de tomar essas decisões, comecei a escrever o libreto usando a minha própria experiência de viver com Transtorno de Estresse Pós-Traumático. Nos dois anos seguintes, Ellen e eu trabalhamos muito colaborativamente, discutindo o que eu estava escrevendo e como os mundos musicais funcionariam na história. O processo de escrita e revisão continuou a partir daí até o libreto ser concluído e ela começar a compor a música.

Childhood Brasil – Considerando que apenas 10% das vítimas de abuso sexual conseguem de fato falar sobre o que aconteceu, a Childhood vem trabalhando incansavelmente como organização para aumentar a conscientização sobre o tema, formar profissionais que trabalham com vítimas e influenciar a criação de novas leis. Presenteamos a vocês com a boneca que é símbolo da Lei 13.431/17, da Escuta Protegida, que co-escrevemos e aprovamos aqui no Brasil, e que garante os direitos das crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violências, protegendo-as através do processo de depoimento, evitando que elas tenham contar sua história várias vezes, sendo revitimizadas, além de garantir o direito de ter, em tribunal, profissionais treinados e salas separadas de seu agressor. Qual a sua visão sobre esse processo? As leis são suficientes? O que mais precisa ser feito para dar voz a crianças e adolescentes?

Roxie Perkins – Eu acho que tudo que pode ser feito para reduzir o revitimização de um sobrevivente durante o processo judicial e/ou o processo de cura é crucial para criar uma cultura em que as pessoas sintam que podem falar sobre o que aconteceu com elas. Acho que existem muitas leis e regulamentações que, se fossem corrigidas, teriam um efeito positivo enorme na criação de um ambiente em que os sobreviventes se sentissem mais à vontade para falar – especialmente em relação a ter que enfrentar seu agressor no tribunal, e ao processo lento e, muitas vezes, indevido de kits de estupro. Eu também acho que quanto mais o jornalismo e as artes puderem conscientizar sobre esses assuntos e trazer a discussão para a cultura, mais chances de que alguém que está sofrendo ou já sofreu abuso sexual possa reconhecer que não está sozinho na experiência, que não é sua culpa e que não precisa sofrer em silêncio.

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Ópera p r i s m

Local: Theatro Municipal de São Paulo – São Paulo – SP

Data de apresentação: 07, 08, 10, 11, 13 e 14 de setembro

Ingressos:R$20 a R$180

Para mais informações, acesse: https://theatromunicipal.org.br/programacao/p-r-i-s-m/

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