Estatuto da Criança e do Adolescente precisa ser mais divulgado nas escolas

A trajetória de luta da economista e doutora em Educação, Maria América Ungaretti, pelos direitos da criança começou há mais de 30 anos com sua participação no movimento estudantil. Foi militante política e exilada durante dez anos. Morou no Chile, na Alemanha e na França e só voltou ao país com a anistia. No Unicef trabalhou no combate à pobreza e à discriminação em comunidades da África, da Ásia e do Brasil. Hoje, como coordenadora dos projetos dos direitos da criança e do adolescente da Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude – ABMP, faz um balanço dos 21 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e acredita que o Brasil precisa de outra grande mobilização:

Ainda existem muitas pessoas que associam o Estatuto da Criança e do Adolescente com a proteção aos menores infratores?

Sim, este conceito errado é ainda disseminado não apenas entre educadores, mas na sociedade em geral. Se perguntarmos para as pessoas nas ruas, comprovaremos que há ainda uma visão muito arraigada de que o ECA protege as crianças e adolescentes e não dá deveres. Isso é bastante forte.

O Estatuto foi resultado de uma mobilização importante no país, mais de um milhão de assinaturas a favor e com um conjunto de profissionais, ativistas, líderes que se motivados, desde o processo de democratização da nova Constituição, mas que começaram atuando basicamente por causa da situação dos meninos de rua. É uma grande questão que enfrentamos até hoje.

Como é analisada a questão dos menores infratores na sociedade?

Como nossa sociedade é extremamente preconceituosa, desigual e discriminadora, não há nenhuma análise pra contextualizar o que estes meninos autores de ato infracional viveram até chegar a esta situação. Imagina se um garoto criado em favela sem condições afetivas, intelectuais e emocionais, em um ambiente de extrema violência, onde o tráfico ocupa um papel de destaque, se tem condições para se desenvolver? Ele vive uma série de situações que não viabilizam que ele seja um sujeito de direito (como prevê o ECA). Ainda há a ineficiência das políticas públicas, seja na educação, saúde ou assistência social. Como a educação tem papel relevante na construção de cidadania de crianças e adolescentes, é mais visível a ausência e omissão deste setor.

O Estatuto já é trabalhado com os alunos nas escolas?

Não. O ECA não é trazido como material didático, porque ainda há um desconhecimento por parte dos profissionais de sua importância. Todos os professores e coordenadores pedagógicos deveriam ter o estatuto como referência para discutir com pais e alunos, porque esta legislação pode contribuir para que os direitos sejam garantidos. Mas, há uma resistência muito grande do sistema educacional que o considera mais um assunto que os professores não têm como dar conta.

Na verdade, existe desconhecimento do que deveria ser requisito para a informação e para a participação das próprias crianças e adolescentes sobre seus direitos.

Por que esta resistência por parte de alguns educadores ainda existe?

Na feitura do ECA não contamos com o setor de Educação, tanto que os artigos de direito à educação são extremamente limitados. Com maior detalhamento fala-se sobre os adolescentes em ato infracional e isso tem conseqüências 21 anos depois de sua criação, porque a educação não considera sua responsabilidade cumprir a lei e promover os direitos. Paralelamente, temos uma sociedade violenta com todos os problemas da falta de limites para as crianças e adolescentes, a dificuldade que os pais têm de cumprir os seus papéis e alunos agredindo professores. Como o estatuto prevê diferentes níveis de medidas socioeducativas, há a confusão de que estes menores de idade podem fazer qualquer coisa e depois vão ser soltos. Daí vem a grande discussão da redução da maioridade penal cada vez que acontece um crime com um adolescente envolvido. Ou rediscute-se o aumento das medidas socioeducativas, principalmente de internação que hoje são três anos e que muitos propõem que seja cinco. São questões pendentes na sociedade, que precisam ser aprofundadas.

As medidas socioeducativas têm funcionado?

Há um grande percentual de meninos que cometem ato infracional e precisam cumprir medidas socioeducativas, mas não funciona porque os profissionais não os reeducam como cidadãos.Você vê casos em que a própria Fundação Casa tem violado o direito destas crianças no Brasil, mesmo nas que têm melhor atendimento. São raras as que estão inserindo os meninos de forma educativa e não apenas punitiva.

Qual o balanço dos 21 anos de ECA?

Se pensarmos que até 1920 os negros eram analfabetos e não tinham qualquer direito e hoje há ministros e promotores negros, percebemos que houve avanços, mas ainda temos muito por fazer. Nós tivemos a queda da mortalidade infantil, redução de algumas doenças e aumento da taxa de escolarização.Temos conquistas importantes, mas por outro lado, problemas como: abuso, exploração, drogas, meninos no trabalho infantil e vivendo do lixo.Tem aumentado também o número de mulheres com AIDS, porque os homens não aceitam ter relação com camisinha e elas se submetem, porque a sociedade ainda é machista, sexista, discriminadora. Avanços possíveis foram feitos, mas ainda há muito desafios pela frente. Neste contexto, a ABMP em parceria com a Childhood tem contribuído para estimular a promoção dos direitos das crianças e adolescentes.

Quais os próximos desafios?

Em 2012, haverá uma nova conferência nacional para aprovar o plano decenal de política de atendimento de crianças e adolescentes que será um avanço, mas só acontecerá 22 anos depois do ECA. Acho que o Brasil está merecendo uma grande mobilização em favor das crianças e dos adolescentes brasileiros, tão significativa quanto foi a do ECA, para rever e rediscutir propostas.

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