Direitos da Criança devem entrar na grade curricular das escolas paulistanas
“Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) precisa ser obrigatório nas disciplinas escolares desde o ensino fundamental”. Esta é a opinião do vereador Floriano Pesaro (PSDB), criador do projeto municipal em tramitação que prevê que os direitos da criança façam parte das disciplinas das escolas. Ex-secretário Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social da cidade de São Paulo, o sociólogo foi vice-presidente da Comissão Extraordinária Permanente em Defesa dos Direitos da Criança, do Adolescente e da Juventude e participou da Comissão Parlamentar de Inquérito da Pedofilia e de Enfrentamento à Violência Sexual Infantojuvenil. É autor da lei municipal da Política de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil. O vereador ressalta que ainda hoje há professores que desconhecem a importância do ECA e o vêem de forma equivocada, como instrumento que “tira a autoridade dos professores”.
Qual a importância de incluir conteúdo que trate dos direitos das crianças na grade curricular do ensino fundamental?
É um avanço, pois a abordagem na educação será um instrumento fundamental para tornar o ECA mais conhecido e melhor compreendido. Apesar do estatuto estar prestes a completar 21 anos, a cultura que ainda permanece no Brasil, e em vários países do mundo, desrespeita os direitos fundamentais da infância, tornando rotineiro o aparecimento na mídia de casos de violência, nas suas diversas formas, contra a criança e o adolescente.
O senhor sente que muitos professores ainda desconhecem os direitos da criança?
Sim. Se aprovada, a medida deverá trazer uma mudança cultural, ao romper com a idéia ainda recorrente de que o estatuto prejudica o trabalho do professor por permitir tudo.
O ECA precisa ser compreendido como um instrumento de garantia de direitos que gera deveres e responsabilidades, tanto para crianças, observada sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, como para a sociedade, a família e o Estado. A mudança de atitude virá a partir do desenvolvimento do pensamento crítico.
Como a obrigatoriedade do ensino do ECA e dos direitos da infância pode ajudar as crianças?
A escola é um dos principais locais para a criança e o adolescente terem acesso às informações sobre seus direitos e se desenvolverem como cidadãos. É fundamental que a educação para o exercício de direitos comece cedo, para contribuir com a consolidação da cidadania das crianças, que poderão compreender, disseminar e exigir seus direitos.
A transversalidade do tema no currículo e em projetos escolares garantirá o debate crítico nas diversas disciplinas, como português, ciências e história, inserindo o universo do direito no dia-a-dia das crianças, adolescentes, professores e familiares.
O senhor tem algum projeto aprovado para a prevenção da violência contra crianças e adolescentes?
Aprovamos uma “lei de diretrizes” (15.276/2010), que consolida uma série de outras leis que proíbem o trabalho infantil e obrigam a prefeitura a se responsabilizar para tirar a criança da rua e colocá-la na escola. A lei prioriza o atendimento integral da criança e sua família e torna efetivas as ações de combate ao trabalho infantil, como a campanha “Dê mais que esmola. Dê futuro”.
Quais foram as suas principais iniciativas em defesa da criança e do adolescente como secretário municipal de assistência e desenvolvimento social?
O número de crianças nos cruzamentos da cidade diminuiu de 2005 para cá, fruto do trabalho que desenvolvemos na Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS), com o Programa São Paulo Protege, que implantou ações de combate ao trabalho infantil, com atendimento pró-ativo nas ruas junto às crianças e adolescentes. A campanha “Dê mais que esmola. Dê futuro”; com a inclusão das crianças e adolescentes em atividades no pós-escola e de suas famílias em programas de transferência de renda também colaborou. Qualquer coisa que você dê na rua, você está estimulando aquela pessoa a permanecer na mesma situação.
O senhor tem outros projetos para a defesa dos direitos da criança?
São três. Temos o projeto (PL 265/2010) que impõe penalidades às empresas da cidade que mantêm a prática do trabalho infantil. Os estabelecimentos comerciais do município deverão colocar em local visível placa indicativa com informações contendo os danos causados pela exploração do trabalho infantil, seguida de informações do Disque Denúncia Nacional (Disque 100). As multas por descumprimento da lei serão destinadas ao Fundo Municipal da Criança e do Adolescente (FUMCAD).
Queremos transformar em lei o Programa Clube-Escola (PL 273/2010), que oferece atividades esportivas, recreativas e de lazer direcionadas à promoção da saúde e da qualidade de vida dos estudantes, depois do período regular da escola. Envolver as crianças em atividades lúdicas e culturais é uma forma de tirá-las das ruas.
O outro é o Ludi-Cidade (PL 377/2010) para incentivar e facilitar o acesso dos usuários do programa a espaços públicos como os centros culturais e de juventude, bibliotecas, teatros, e museus, além de visar ao desenvolvimento cultural e artístico na participação dessas atividades.
De acordo com recente pesquisa da Secretaria de Direitos Humanos, a violência doméstica é um dos principais motivos que levam crianças às ruas. Como combater este problema na cidade de São Paulo?
As crianças se sentem mais seguras nas ruas do que dentro da própria casa, convivendo com famílias desestruturadas. Em geral, abandonam a família quando são vítimas de exploração e violência doméstica. Consideram a rua melhor do que um ambiente degradado onde apanham e são violentadas sexualmente.
Grande parte dessas crianças faz da rua o seu espaço de sobrevivência e desenvolve alguma forma atividades perigosas, penosas e insalubres, descritas como as piores formas de trabalho infantil, além de continuarem sujeitas a todo tipo de violência.
Lembro que no ano do lançamento da campanha “Dê mais que esmola. Dê futuro”, tivemos uma menina que foi violentada sexualmente na Giovanni Gronchi – Morumbi, por um rapaz de classe media alta que a convidou para um lanche no McDonald’s.
A complexidade da proteção à criança impõe desafios que compreendem o trabalho intersetorial e insterinstitucional efetivo, que garanta sua inclusão social e de suas famílias, proporcionando o acesso a políticas públicas e a participação da vida política.