Criança é obrigada a ver o pai denunciado por abuso sexual
Felícia Balcon (nome fictício) sonha com o dia em que o seu filho Lucas (nome fictício) possa reestruturar sua vida e nunca mais precise ter contato com o pai dele, acusado de tê-lo violentado sexualmente, quando ele tinha apenas três anos. A mãe conta como é ter de levar o filho, a cada quinze dias, ao Centro de Visitas Assistidas do Tribunal de Justiça (Cevat) para ver o agressor, mesmo contra a vontade dele.
Por que seu filho precisa ver o pai, mesmo depois da denúncia de agressão sexual?
A juíza responsável pelo caso não levou em conta o laudo do psicólogo particular de meu filho, nem o laudo das psicólogas do Hospital Pérola Byington (especializado em casos de violência sexual), nem da psicóloga da Vara de Justiça, que aconselhava que o abusador fosse submetido a tratamento e fosse mantido afastado do filho. Entre outras coisas, meu filho demonstrou que havia sido abusado ao fazer gestos de masturbação com os bonecos nas sessões de terapia.
O pai nem compareceu na audiência e eu perdi uma entrevista de trabalho para ir lá, e mesmo assim não valeu nada o que eu falei, nem os laudos apresentados. A juíza passou por cima da formação técnica dos psicólogos e disse que, como mãe, ela entendia que a criança deveria ver o pai. Queria ver se ela desejaria a mesma coisa se tivesse acontecido com o filho dela! O psicólogo de meu filho acha que isso não é bom para ele. O Judiciário transforma o criminoso em vítima e as mães em loucas. A vida do meu filho está presa a isso.
Como ele se sente quando vai lá?
Ele volta bem mais agressivo, quando tem que ir ao visitário público, no Cevat (Centro de Visitas Assistidas do Tribunal de Justiça). Ele mesmo pediu muitas vezes para eu atrasar para não encontrar com o “monstro”. Tenho que levá-lo a cada quinze dias na data estabelecida pela Justiça para ver o abusador durante a tarde. É um lugar horrível, a gente deixa a criança dentro de uma sala fechada e fica apreensiva com o que pode acontecer, porque não pode ver o que está se passando lá dentro. Há outros pais e outras crianças que sofreram abuso ou algum tipo de violência doméstica e duas ou três psicólogas que não sabem nada sobre os casos nem mesmo os acompanham, as equipes são rotativas. Já ouvi uma mãe falando que seu filho foi violentado lá dentro mesmo, dentro do banheiro. O visitário não funciona. Os abusadores não deveriam ter esse direito. Se eu não levo meu filho sou punida, mas não acontece nada com o pai se ele falta. Somos muito mal recebidas e tratadas como se fôssemos culpadas.
Mesmo que a criança esteja chorando, só pode sair se o pai liberar, é um absurdo. Uma vez meu filho chorava e dizia que não queria ir de jeito nenhum e eu então prometi que depois compraria um brinquedo para ele. As psicólogas do local escreveram no relatório que a criança queria sair, porque a mãe tinha prometido presente, foram muito tendenciosas.
Você e seu filho sofreram preconceito por causa do abuso sexual?
Nós tivemos que nos isolar, porque existe o medo de sair na rua e encontrar o abusador e também tem a questão da vergonha. Não saíamos de casa, nem interagíamos com outras pessoas durante muito tempo, além disso, eu não conseguia trabalhar. Quem consegue produzir alguma coisa com um problema tão grande e como explicar em seu emprego as audiências? Há uma grande exclusão social e ninguém percebe isto, não há nada publicado a respeito e nenhuma preocupação com a situação da mãe dilacerada, pelo contrário, o Estado, ao invés de acolher, muitas vezes a julga e a trata como uma louca criminosa.
É muito difícil ter um relacionamento amoroso mais profundo tendo a obrigatoriedade de ir ao visitário, as audiências e a convivência com o problema do abuso. É complicado e desgastante contar todo o caso e ainda ficar expondo meu filho. Eu também tenho medo de me envolver novamente com alguém e esta pessoa também abusar do meu filho. As mulheres que passam por isso perdem a autoestima e a individualidade.
Eu contei para uma amiga muito próxima, que faz questão que seus filhos tenham contato com o meu, mas não digo para todo mundo, pois essa aceitação é uma exceção, há muita discriminação. Meu próprio namorado na época não deixava mais meu filho brincar com o filho dele. Este tipo de situação destrói qualquer relacionamento, é muito complicado.
Em três anos, tive que trocar meu filho quatro vezes de escola, porque tudo o que acontecia era culpa dele. Uma vez ele baixou a calça de um amiguinho e foi um problema. Hoje, eu não conto detalhes do que aconteceu aos professores, falo apenas que ele não tem contato com o pai.
Como está seu filho hoje?
Ele está mais forte, porque tem o acompanhamento de um psicológico particular, mas ainda apresenta “altos e baixos”. Fica ansioso e irritado dias antes da visita e pergunta se tem mesmo quer ir. Ele tem momentos de muita agressividade e regressão no comportamento. Hoje ele está com seis anos, mas às vezes tem reações de um bebê, há algum tempo atrás, ele ainda fazia xixi e cocô na calça, e hoje ainda quer que eu troque sua roupa e dê comida na boca. Estas atitudes assustam, porque ele fica parecendo uma criança com deficiência mental e todo este comportamento eclode depois de ir ao visitário. Fica completamente dependente, só consigo lidar com isso com a ajuda da psicóloga.