Caminhos do incesto: tratamento possível

Para a equipe do Centro de Estudos e Atendimento Relativos ao Abuso Sexual (Cearas), da Faculdade de Medicina da USP, o abuso incestuoso é uma questão de família. Por isso, a assistência contempla não só agressor e vítima, como os demais membros envolvidos.

Todas as famílias atendidas pelos profissionais do centro são encaminhadas pela Justiça. Passam pela área de triagem e escuta antes de seguirem para a terapia familiar propriamente dita, com periodicidade semanal e duração de um ano a um ano e meio. O contato dos profissionais do Cearas com o Fórum é estritamente informativo: para relatar que a família está participando das sessões. “É fundamental, nos casos de abuso sexual intrafamiliar, que haja, além do aspecto legal, uma atenção específica ao desenvolvimento psicossocial daqueles indivíduos”, afirma o psiquiatra Cláudio Cohen.

Ele acha, inclusive, que o abuso incestuoso deveria ser considerado um crime contra a família, a exemplo da legislação da Dinamarca, e não contra os costumes, como é no Brasil. “Assim, o foco da prevenção e do tratamento passa a ser a família disfuncional e não se restringe à relação entre duas pessoas, agressor-vítima.” Cláudio cita o exemplo de um movimento surgido nos Estados Unidos formado pelos familiares de vítimas de abuso incestuoso e chamado “Parents Anonymous”. “A terapia é fundamental para que todos os membros compreendam suas respectivas funções dentro da dinâmica familiar e o que significa socialmente ser pai e ser mãe”, afirma. “Retirar a criança de casa ou mandar o agressor para a cadeia não resolve a situação.”

Segundo o psicólogo Tadeu, no Cearas o atendimento se baseia na fala e no simbolismo trazido à tona. “As pessoas expõem em desenhos ou brincadeiras o que sentem, e esses sentimentos são nomeados e elaborados. Ao falar deles, criam um funcionamento mental que pode ajudar no enfrentamento das questões familiares e a frear a ocorrência de novos abusos”, diz. “Embora não tenhamos estatísticas sobre reincidências, o que percebemos no fim do tratamento é que houve mudanças na família, uma certa abertura ao convívio social: a criança volta a frequentar a escola, a filha adolescente pode namorar etc.” Os papéis no contexto familiar ficam bem definidos: os pais têm a função de cuidar e dar limites, além de estar sempre presentes, sem serem invasivos; a filha não é substituta da mãe, e assim por diante.

Ao contrário do que prega o senso comum, dizem os especialistas do Cearas, a maternidade ou a paternidade não são instintivos. A função social de cuidar, educar e impor limites é aprendida – e não um fator biológico inerente. “Cada cultura tem um ideal do que é ser pai, o que é ser mãe”, diz Tadeu. “Atendemos mulheres na faixa dos 30 anos que são adolescentes em termos afetivos, não desempenham o papel de mãe e mantêm um relacionamento fraternal com os filhos, por exemplo.” Por isso, a clara definição das funções numa família é um importante fator preventivo contra o abuso incestuoso.

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