Camará transforma jovens de São Vicente em educadores ambientais e culturais
“Antes mundo era pequeno
Porque Terra era grande
Hoje mundo é muito grande
Porque Terra é pequena
Do tamanho da antena Parabolicamará
Ê volta do mundo, camará
Ê, ê, mundo dá volta, camará” Gilberto Gil
Numa manhã ensolarada de terça-feira, fomos visitar o Projeto Camará, em São Vicente, no litoral sul de São Paulo, considerada a primeira cidade brasileira. No local, decorado com os trabalhos artísticos realizados pelos jovens participantes, se respira cultura e um forte desejo de transformação. A entrevista é o tempo todo permeada com referência a livros, poesia, filmes e arte em geral.
Fomos recebidos por João Carlos Guilhermino de Franca, o engenheiro que virou educador e propagador da cultura e da arte. Ele é um dos fundadores e coordenador geral da ONG, criada, em 1997, para oferecer atendimento psicológico aos adolescentes em situações de risco social e vulnerabilidade, além de promover a capacitação profissional de jovens para se tornarem multiplicadores em suas comunidades.
O projeto surgiu, porque seus criadores perceberam a necessidade de fazer alguma coisa para oferecer mais perspectivas para jovens que saíam dos abrigos e moradores das regiões mais vulneráveis.
Camará, nome da instituição, vem da palavra camarada, companheiro e aparece em algumas canções como a “Parabolicamará”, de Gilberto Gil. Segundo João, é também o nome de uma aldeia indígena em Roraima. A palavra reflete bem o clima da instituição, porque João logo chama a equipe para participar da entrevista, mostrando que todos os companheiros são ouvidos e compartilham as opiniões com o objetivo único de desenvolver ações sociais. Afinal, essa é a proposta do Camará – promover um ambiente participativo, onde todos possam expressar suas opiniões e desenvolver valores pessoais e senso crítico, por meio da produção coletiva.
Empolgados, os jovens da ONG querem contar sua trajetória, como se sentem realizados hoje com o seu trabalho e principalmente sobre a rica experiência de participar de fóruns e eventos nacionais e internacionais. “Aqui descobri minha vocação para atuar como educador ambiental e quero compartilhar com o maior número de pessoas o que aprendo”, conta Fernando Fillipini, que viajaria na mesma semana para um encontro ambiental sul-americano no Chile.
No meio da entrevista, transformada mais em um grande bate-papo entre amigos, um dos jovens diz que agora eles vão “explorar” mais determinado assunto em um novo trabalho. De repente, todos começam a rir e João brinca “explorar não! Vamos desenvolver, chega de exploração!”, diz ele, referindo-se às campanhas e projetos para prevenção e combate da exploração sexual de crianças e adolescentes.
Entre os grandes projetos criados pelo Camará estão: o EcologiCamará e o Comunidade em Cena, para formar jovens monitores ambientais e agentes culturais, que utilizam ferramentas com a TV web para produzir e disseminar suas produções.
A participação ativa do jovem em todos os projetos é uma das estratégicas da ONG. “As escolas públicas estão sucateadas e não trabalham os valores e as perspectivas para o jovem e eles precisam reencontrar o sentido do conhecimento não apenas técnico, mas artístico e humano, e seu lugar no mundo”, afirma João.
No Camará, adolescentes e jovens têm a oportunidade de participar de várias atividades de preservação do meio ambiente e também teatro, dança e cursos de formação para mercado de trabalho. No geral, eles se tornam pessoas mais responsáveis, preocupados com sua família e comunidade, depois de se engajarem nas atividades.
Debruçado sobre um grande dicionário aberto, João respondia as nossas perguntas já pensando no futuro. Mas por que este dicionário, João? “Estou procurando os significados da palavra trânsito, porque batizaremos de Olhar em Trânsito o projeto em parceria com a Escola Paulista de Magistratura. O objetivo é exibir cinco filmes (As melhores coisas do mundo; Sonhos roubados, Juízo, Cama de Gato e Edukators) para juízes, defensores públicos e profissionais da área, e depois abrir um grande debate sobre o tema da juventude e seus problemas no Brasil, com pessoas interessadas na linha de mediação de conflito”, conta o coordenador.
Antes deste projeto, João estava inconformado que o filme As melhores coisas o mundo, tinha ficado uma semana em cartaz na cidade com sala vazia e resolveu promover uma ação para incentivar educadores e jovens para ir ao cinema. Eles assistiram ao filme e depois debateram o assunto em uma rodada de pizza.
Essas são apenas algumas das propostas do Camará, voltadas para a arte, cultura e educação. O trabalho tem trazido bons resultados como o convite feito pela Fundação Bienal para realizarem uma intervenção no espaço terreiro “Eu sou a rua”, no qual realizaram uma ação poética com 86 pessoas. Também foram convidados pela Secretaria Municipal de Educação de São Vicente para preparar grupos de educadores para a participação na 29ª Bienal de Arte de São Paulo. “A gente quer trazer reflexão para a Baixada Santista, aguçar o olhar e os sentidos para a transformação”, diz João de França. Esse é o “mundo grande” do Projeto Camará, abrindo novos caminhos e perspectivas para a juventude.