“Até hoje fico paralisada se vejo um homem parecido com o meu agressor”
Você ainda sente algum sintoma, do tipo medo de alguma coisa, ou de ver uma cena violenta na TV, por exemplo?
Continuo não gostando de ficar sozinha, mas hoje moro em um apartamento em Belo Horizonte e durmo no escuro. Não gosto de assistir nada que se relacione com violência. Ler tudo bem, mas assistir filme que tem cena de abuso eu não consigo. Também não volto ao clube onde tudo aconteceu e, algumas vezes, quando vejo alguém fisicamente parecido com o abusador, eu travo. Fico parada e não consigo me mexer. Respiro fundo, digo pra mim mesma que não é ele e consigo seguir em frente.
Quais as principais sequelas que ficaram daquela época?
Sou uma pessoa muito nervosa, impulsiva. Não sei quanto isso é da minha personalidade e quanto é pelo que passei. Depois que falei sobre tudo fiquei com uma gagueira, sabe? Às vezes não consigo falar, trava, por isso, eu prefiro escrever. Já pesquisei sobre o assunto e vi que pessoas que passam por traumas às vezes ficam assim, com dificuldade para falar. Acho que isso é o que mais me incomoda, do resto eu não tenho a menor vergonha, me tornei uma mulher mais forte.
Ainda hoje é muito difícil falar sobre o assunto?
Olha, dando essa entrevista eu estou chorando, mas não é de sofrimento, é choro de alívio. Alívio de poder finalmente falar abertamente de tudo isso, eu poderia escrever um livro contando o que aconteceu comigo nos últimos anos.
Você conseguiu falar do assunto com a sua mãe apenas com 18 anos. Ela foi a primeira pessoa a quem contou ou já tinha tentado falar antes algum amigo ou familiar?
Eu já tinha tentado conversar com ela, com meu pai e com as amiguinhas do clube antes desta idade. Lembro de ter perguntado para as meninas se acontecia com elas também e disseram que de jeito nenhum. Ali, eu tomei a decisão de me calar e por muitos anos, pareceu funcionar. Só que quando você vai atingindo a maturidade aquilo volta com a força de um tsunami e você precisa encarar os fatos para continuar vivendo. Foi como se eu estivesse passando por tudo novamente – toda a vergonha, toda a dor. Eu sentia nojo de mim durante as sessões com o psicólogo e o psiquiatra.
Como foi a reação da sua família?
Minha mãe sofreu muito quando soube, no fundo, ela desconfiava, mas preferia não acreditar. Deve ter sido muito duro saber que a única filha mulher passou por isso, mas mainha segurou a barra junto comigo. Enfrentou o abusador na Justiça, e hoje nossa relação se fortaleceu muito mais. Ela é meu exemplo, minha melhor amiga, tudo para mim.
Minha família evita tocar no assunto porque dói, e deve doer mais do que em mim, porque eles devem se sentir impotentes. Minha mãe chora, mas evita fazer na minha frente e meu pai segura o choro mas se sente péssimo. Eles não têm culpa. Meus irmãos me dão o maior apoio, me abraçam, dizem que já passou e vai ficar tudo bem, isso me conforta.
Você decidiu fazer terapia antes ou depois de contar para a sua família?
Logo depois do acontecido eu comecei a ter medo de ficar sozinha no quarto, não ficava de jeito nenhum, só dormia no meio dos meus pais, um de cada lado pra não ter perigo de ninguém me tocar.
Eles me colocaram na terapia e eu fiz três anos de tratamento na época, mas nunca toquei no assunto. Dizia que meu medo era de filme de terror. Só depois, percebi que precisava falar a verdade, procurei outro terapeuta e comecei a contar tudo, para minha família, paro meu namorado, para o meu técnico e ai foi acontecendo todo processo de libertação.
Você acha que o abuso de alguma forma afetou os seus relacionamentos amorosos?
Não, porque para os meus namorados eu contei desde o começo, meu ex-marido me deu todo apoio, teve toda paciência do mundo e meu atual namorado já sabia o que eu tinha passado, então já respeita minhas limitações. Graças a Deus, nesse sentido tive muita sorte.