Antropólogo fala sobre a importância da educação sexual
Qual a importância da educação sexual na vida de crianças, adolescentes e jovens e como ela pode ser importante no enfrentamento à violência a que essa parcela da população tem sido exposta? Em entrevista à Childhood Brasil, o antropólogo Felipe Areda fala sobre o desafio que a sociedade tem em aprender a falar sobre o assunto COM e não simplesmente PARA crianças e adolescentes, contribuindo para que eles tenham condições de fazer suas próprias decisões e se defenderem de situações de risco.
Além de antropólogo, Felipe Areda, também é pesquisador do Núcleo de Estudos da Diversidade Sexual e de Gênero da Universidade de Brasília (UnB) e educador social da Diretoria de Serviços Especializados a Famílias e Indivíduos da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda do Distrito Federal.
Childhood Brasil – Por que falar ainda encontramos resistência ao falar de sexualidade?
Felipe Areda – Em nossa sociedade, a sexualidade é o eixo sobre o qual construímos nossa concepção sobre as pessoas. Dou um exemplo: ao ver uma mulher grávida, qual a primeira pergunta que lhe fazemos? O sexo do bebê. Só a partir dessa informação que conseguimos imaginá-lo. Ao sexo, logo adicionamos um conjunto de expectativas, que vai da cor do seu quarto até com quem e como ele se relacionará sexualmente. Observe que até então a criança nem nasceu. Crianças e adolescentes são bombardeados com informações sobre sexualidade. Informações que ditam como eles e elas devem ou não agir. É um discurso de controle construído desde antes do nascimento: um conjunto de expectativas sobre o desejo e o comportamento de uma pessoa. É preciso que as crianças e adolescentes tenham o espaço de encarar seu corpo e seu desejo como um campo de descoberta e de criação, e não um espaço de temor frente às expectativas e coerção dos outros.
CB – Qual a relação entre esse “não-falar” abertamente sobre a sexualidade e a violência sexual?
Felipe Areda
Areda – Em nossa sociedade, o espaço onde ocorre com mais frequência a violência sexual é o espaço familiar. Segundo a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, 38,2% dos agressores homofóbicos são da própria família. Há outras violências ainda mais naturalizadas. Podemos citar como no Brasil é comum que familiares obriguem os meninos a terem contato com material pornográfico desde a pré-adolescência ou que mesmo os levem a profissionais do sexo para que sejam “iniciados” sexualmente. O quadro geral é assustador. Precisamos introduzir nas reflexões sobre a infância e adolescência um conceito que, apesar de polêmico, é fundamental: o da liberdade sexual. Liberdade sexual, como define a World Association for Sexology (WAS), diz respeito à possibilidade dos indivíduos expressarem seu potencial sexual, compreendendo que esse potencial envolve necessidades humanas básicas de contato, intimidade, prazer, expressão emocional, carinho e amor. Para que haja liberdade é preciso que excluam em qualquer época ou situação de vida todas as formas de coerção, exploração, abuso e de qualquer forma de discriminação. Essa transformação de paradigma é revolucionária, pois em nossa sociedade a sexualidade é diretamente ligada ao controle e à violência. Construir uma compreensão da sexualidade que não se distingue da liberdade é abalar as estruturas de opressão da nossa sociedade, por isso é urgente que o façamos.
CB – Como você avalia o Estatuto da Juventude, atualmente em trâmite no Senado? Quais os avanços que ele apresenta e as limitações?
Areda – No texto original, o Estatuto da Juventude buscava garantir o direito à educação sexual por meio da inclusão de temas relacionados à sexualidade nos conteúdos curriculares. Esse artigo foi alvo de profunda resistência. Como resultado das negociações na Câmara, uma ressalva foi acrescida ao sétimo parágrafo do artigo 20: os temas relacionados à sexualidade deveriam respeitar a diversidade de valores e crenças. Foi um retrocesso. Sob a égide do conceito de “valores e crenças” muitas opressões são realizadas. O Estatuto da Juventude é fundamental para fortalecer um conceito e expandir o conceito de sujeito de direito que foi inaugurado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Entender que crianças, adolescentes e jovens são sujeitos de direitos e que não são sujeitos-problemas ou sujeitos-menores. Ele enfrenta a compreensão de juventude com algo que deve ser vigiada, controlada e ter sua posição na sociedade cerceada. Considero que esse debate não pode ser realizado sem uma defesa radical dos Direitos Sexuais, sendo que o tema da sexualidade é um dos principais meios pelos quais erguem força de controle e vigilância com os jovens.
CH – Qual a importância de se politizar a sexualidade para a garantia da integridade e da segurança das crianças e adolescentes?
Areda – Os principais agentes transformadores da realidade são aqueles e aquelas explorados, coagidos e expropriados. É assim na luta de classe, nas luta feminista e na luta antirracista. Não seria diferente nos direitos das crianças, adolescentes e jovens. Eles devem aprender desde cedo a conhecer e reivindicar seus direitos. O mundo hoje é profundamente violento com crianças, adolescentes e jovens e essa violência não está alheia ao espaço familiar. Os conservadores gostam muito de dizer que precisamos proteger as famílias, como se a violência viesse de fora. Precisamos, sim, fortalecer a função protetiva da família e, para isso, precisamos enfrentar as violências que ocorrem dentro dela.
*Texto originalmente publicado em 29/04/2013