Abrigo Vovó Iza acolhe e estimula estudo de meninas que viviam nas ruas
Quem vê a cabelereira Daniela Laura, de 28 anos, sorrindo não consegue imaginar sua trajetória de luta e coragem. Aos 10 anos, fugiu de casa, depois de ter sido estuprada pelo próprio pai. Nas ruas, usou todo tipo de droga e começou a roubar para conseguir manter o vício.
Sua vida começou a mudar apenas quando foi acolhida pela ONG Santa Fé, que é apoiada pela Childhood Brasil e há 18 anos atende e acolhe meninas que viviam nas ruas da cidade de São Paulo. Mesmo assim, ela demorou a se adaptar. Durante dois anos, a menina fugia quase todos dias. “Eu estava perdida, mas eles nunca desistiram de mim, sempre iam me buscar e por isso se tornaram minha família”, conta Daniela.
A história de Daniela é semelhante à de muitas meninas que passam pelo Abrigo Vovó Iza, da Associação Santa Fé. A maioria delas, com idade entre 12 e 16 anos, sofreu violência física ou sexual dentro da própria casa. Algumas estavam nas ruas devido ao tráfico de meninas, vindas da Bolívia ou do Nordeste.
Quando entram na casa apresentam as marcas da violência doméstica e dos maus tratos nas ruas. Muitas chegam agressivas, com problemas psicológicos e distúrbios de comportamento. Como não adquiriram os valores éticos básicos, não dão valor à própria vida nem à dos outros. Também mostram sérios danos de aprendizagem e desenvolvimento intelectual, além do sentimento de luto e reações de perda.
Elas vivem em um modelo de instituição-residência, na qual estão também os seus filhos. As moças ajudam nas atividades da casa, inclusive tomando conta dos filhos de suas colegas, e fazem cursos fora, com empresas conveniadas da ONG. Quando uma garota tem dificuldade para se adaptar à ONG, os educadores vão atrás para descobrir o que aconteceu e trazê-la de volta.
Segundo a instituição, a maioria das vítimas de violência doméstica são crianças e adolescentes que possuem como fator agravante a vulnerabilidade da própria idade. “É um mundo delicado demais para se entrar de qualquer jeito”, afirma Márcia Dias, a presidente e fundadora da ONG. “Educar uma menina é educar gerações, estou lutando para mudar esta mentalidade de que pobre trabalha e rico estuda, para que nossas garotas consigam ter oportunidade de fazer faculdade, ou não quebraremos nunca este círculo vicioso”, afirma.
Muitas das adolescentes chegam grávidas à instituição, algumas vezes, resultado de um abuso sexual intrafamiliar. São acolhidas até conseguirem se emancipar. O maior desafio da instituição é conseguir conquistar a confiança das garotas e fazer com que elas continuem a se desenvolver. Muitas vezes, as meninas nunca viveram em um ambiente limpo. “Tenho que criar vínculo para que elas tenham segurança, quando chegam já pesquisamos seu histórico e elas encontram a cama arrumada com uma lembrança e cada uma terá sempre um tutor a orientando”, diz Márcia.
A instituição acompanha a vida das meninas mesmo depois que elas se tornam independentes. “Muitas mulheres criadas por nós, hoje, nos ligam pedindo conselhos para lidar com seus filhos, quando percebem algum pequeno problema, porque sabem que foram bem educadas”, conta Márcia Dias. “Além disso, somos convidadas para festas de aniversário e outros eventos”.
Daniela Laura hoje é exemplo para outras meninas que entram na instituição. É mãe, casada e tem sua própria casa, mas continua cheia de projetos, estudando para conseguir prestar vestibular.
Além de apoiar o Programa Mudando a História, que visa regatar a autonomia das famílias das crianças e adolescentes moradoras de abrigos mantidos pela ONG Santa Fé, a Childhood Brasil investe na sistematização de metodologias por ela desenvolvidas no acompanhamento de egressos de abrigo e familiares das crianças e adolescentes abrigadas. A organização desta informação contribuirá para que a Santa Fé tenha maior eficácia social e econômica através de indicadores que comprovem que houve melhoria na qualidade de vida e na capacidade de geração de emprego e renda do universo estudado.