Qual a relação entre o machismo e a violência sexual contra crianças e adolescentes?
O Dia Internacional da Mulher não é apenas um dia para presentear ou ganhar flores, é um dia de reflexão e debate sobre questões de gênero, conquistas e desafios ainda a serem alcançados pelas mulheres na sociedade. Pensando nisso, a Childhood Brasil traz para debate a questão: como a discussão de gênero está relacionada com a violência sexual contra crianças e adolescentes?
Alguns dados podem ajudar a entender um pouco mais sobre a relação dos temas:
- Segundo a ONU, sete em cada dez mulheres no mundo já foram ou serão violentadas em algum momento da vida.
- Ao menos uma em cada três mulheres foi vítima de violência física ou sexual exercida por um companheiro íntimo (ONU, 2014).
- 85% das mulheres brasileiras têm medo de sofrer violência sexual (Datafolha, 2016).
- 37% dos homens e mulheres entrevistados concordam que “mulheres que se dão ao respeito não são estupradas” (Datafolha, 2016).
- 89% dos casos de violência sexual registrados no Brasil são contra mulheres. Do total, 70% representam casos contra crianças e adolescentes, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2014).
- Em campanha realizada na internet pela organização Think Olga com a #PrimeiroAssedio, a idade média do primeiro assédio sofrido por mulheres é de 9,7 anos, ou seja, ainda na infância.
- Segundo levantamento da organização Darkness to Light em 2002, estima-se que a cada dez crianças e adolescentes uma será sexualmente abusada antes de completar 18 anos.
- A violência sexual contra crianças e adolescentes é um crime diretamente relacionado à questão de gênero, vitimiza em esmagadora maioria meninas de 0 a 17 anos. A porcentagem de vítimas do sexo feminino entre os casos denunciados ao Disque 100 foi de 71,8%. Já nos casos notificados ao Sistema VIVA/SUS, a porcentagem de crianças e adolescentes do sexo feminino foi de 83,5%.
É um fato que a violência, incluindo a sexual, contra meninas e mulheres é uma questão cultural, parte de uma sociedade machista e patriarcal. Por esse motivo, muitas vezes, trata-se a temática de forma rasa, não empregando a real necessidade de se olhar para o problema com a gravidade e seriedade que merece.
No caderno, lançado em 2016, com apoio da Childhood Brasil, “Empoderamento de Meninas – Como iniciativas brasileiras estão ajudando a garantir a igualdade de gênero”, há menção sobre o trabalho da pesquisadora Heleieth Saffioti (1997) que considera que a violência sexual não constitui uma pulsão sexual irreprimível masculina, mas “uma questão de poder, afirmado a partir de relações assimétricas e dominadoras de homens contra mulheres/meninas, de adultos contra crianças e adolescentes”. Para Saffioti, os estudos indicam não ser possível aceitar o argumento de que a sexualidade masculina é incontrolável, enquanto a feminina é domável. Tanto que os agressores costumam buscar locais privados ou ermos ou, no caso da violência sexual no contexto doméstico, esperam a mãe, pai ou a responsável sair ou estar muito ocupado para então agredir as vítimas. A pesquisadora reforça que a violência sexual contra meninas e mulheres não constitui uma ação isolada de pessoas consideradas anormais. Ao contrário, integra a organização social de gênero, ou seja, faz parte da gramática sexual que regula as relações homem-mulher.
Portanto, a questão de gênero está intimamente ligada à questão da violência sexual contra mulheres e, sem sombra de dúvidas, contra crianças e adolescentes. Por este motivo, é de suma importância o crescente movimento sobre a discussão de gênero, trazido majoritariamente por parte do movimento feminista, que toma cada vez mais espaço na internet, mídias e nas ruas. O empoderamento de meninas e mulheres é um grande passo para a prevenção da violência sexual (e todas as outras modalidades de violência) e, principalmente, para a responsabilização dos agressores, uma vez que estima-se que apenas 10% dos casos são de fato denunciados e que o número de responsabilização dos agressores é ainda mais baixo.
“Entretanto, iniciativas de enfrentamento à violência sexual contra mulheres e meninas são ainda muito tímidas e, quando encontramos alguma, estão restritas ao campo da educação, ou do ambiente escolar. Embora muito importante, elas devem estar presentes também e complementarmente na saúde, na igreja, na família, na comunidade, em todos os lugares e espaços”, defende Itamar Gonçalves, Gerente de Advocacy da Childhood Brasil.
Casos de estupro, coletivos ou não, eventualmente são noticiados e chocam a população brasileira, mas, infelizmente, não são fatos isolados e apenas uma pequena parcela consegue sair da invisibilidade e atingir a grande mídia e, mesmo assim, quando conseguem, a palavra da vítima e não do agressor é sempre a questionada e questionável aos olhos da sociedade, até que se prove o contrário. “A garantia da proteção legal, a adoção de políticas públicas e uma mudança cultural e estrutural no sentido de contrapor a ideologia machista, podem, juntas, mudar a realidade que mulheres e meninas vivem hoje no Brasil e no mundo”, complementa Itamar.