Diretor de Centro de Defesa da Criança dos EUA ensina técnicas de entrevista especial de vítimas de abuso
O depoimento especial de crianças e adolescentes testemunhas ou vítimas de abuso sexual tem sido cada vez mais adotado nos processos investigativos no Brasil, desde a recomendação do Conselho Nacional de Justiça a todos os tribunais, em 2010. A prática consiste na entrevista forense gravada para ser usada como produção de provas para processos judiciais. O colhimento do relato da criança é feito em sala especial que a faça se sentir acolhida e respeitada, para não precisar reviver o trauma ao repetir a história diversas vezes ou ter que ficar diante do abusador.
O diretor-executivo do Centro Nacional de Defesa da Infância nos Estados Unidos (National Children’s Advocacy Center’s Forensic Interviewing of Children – NCAC), Chris Newlin, esteve em Porto Alegre, entre os dias 3 e 5 de abril, onde ofereceu treinamento para profissionais que trabalham com casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes, em um evento, promovido pela Childhood Brasil, com apoio do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
Hoje, o NCAC integra uma rede de mais de 800 centros nos Estados Unidos e já preparou mais de 70 mil profissionais, em todos os estados americanos e em mais 20 países. Chris Newlin afirmou que o Brasil já conquistou avanços por ter mais de 40 salas especiais em funcionamento, mas que é preciso expandir a experiência para todas as regiões do País.
Qual a importância de trazer a experiência do NCAC e oferecer esse tipo de capacitação no Brasil ?
O Centro Nacional de Defesa da Infância nos Estados Unidos foi criado com base em pesquisas e práticas específicas e projetado para capacitar entrevistadores forenses do depoimento especial, desenvolvidos para conduzir legalmente as entrevistas na defesa de crianças com suspeitas de abuso sexual. Estas entrevistas fornecem material investigativo pessoal com informações essenciais nos casos de maus tratos e pode ser usada no tribunal para evitar que a criança tenha que testemunhar ou repetir o depoimento diversas vezes durante todo o processo.
O NCAC foi o primeiro centro desenvolvido e elaborado com a ideia de que proporcionar um ambiente favorável às crianças, onde os profissionais de várias áreas devem se envolver em uma resposta eficaz para as suspeitas de abuso sexual contra crianças e adolescentes. Quando prestam atendimento, precisam evitar qualquer trauma adicional para a criança e garantir que todos os serviços necessários sejam oferecidos.
Nós estamos muito entusiasmados por oferecer esta capacitação inicial, que pode, eventualmente, direcionar para o desenvolvimento de um modelo de entrevista de depoimento especial forense brasileiro.
Quais são os principais benefícios de seguir um modelo para o depoimento acolhedor de crianças e adolescentes no Brasil?
Os protocolos para a entrevista forense são legalmente justificáveis e refletem as mais recentes pesquisas neste campo. Todas as partes envolvidas em uma investigação de abuso sexual recebem a mesma formação para compreender os desafios envolvidos em colher o depoimento especial de crianças e adolescentes. Os participantes aprendem sobre a estrutura da entrevista forense realizada no NCAC, os questionários forenses eficazes, questões de desenvolvimento, estratégias de entrevista para crianças mais ativas ou relutantes em revelar o caso, dentre outras questões. Armados com este conhecimento, os profissionais estarão capacitados para oferecer as melhores entrevistas forenses.
O que nós aprendemos desde o nosso início em 1985 é que cada país deve desenvolver um método e protocolo que funcione de acordo com suas leis e sua cultura. Nosso objetivo é, definitivamente, impedir que ocorram os maus tratos. Nós incentivamos outros países a lutar por essa mesma causa e sentir que integrar a entrevista forense do depoimento especial de crianças e adolescentes dentro de um amplo sistema de atendimento, é uma oportunidade significativa de alcançar este objetivo.
Quais são as mais relevantes diferenças entre o sistema brasileiro de depoimento especial para crianças e adolescentes vítimas de abuso daquele empregado nos EUA?
Nós ainda estamos aprendendo sobre estas diferenças com o diálogo significativo sobre esta questão durante a realização de treinamentos e debates. Aparentemente, a maior diferença é que no Brasil, psicólogos e profissionais da Justiça frequentemente realizam as entrevistas enquanto nos Estados Unidos, somente os profissionais que receberam um treinamento especializado para a entrevista forense podem conduzir o depoimento.
Em alguns países, segue o pensamento de que o abuso sexual ocorre somente com as famílias pobres, os norteamericanos também acreditam nisso?
Não, agora já é amplamente reconhecido nos Estados Unidos que os maus tratos de crianças e adolescentes não têm fronteiras econômicas, demográficas ou geográficas. O problema invade todas as classes e níveis sociais de renda da sociedade. Acreditamos que é uma questão de saúde pública, presente em todos os países do mundo.